AREIA E GRAFITE

É pressuposto que para a construção de qualquer modo de habitar há de se despender um trabalho dilatado no tempo, a ser construído inevitavelmente entre as exigências inerentes de um dado corpo e as imposições de um dado espaço. Sendo assim, habitar torna-se consequência do esforço de ocupar-se de algo: uma reivindicação, um lugar para si. É apostando neste diálogo [trabalho + tempo = lugar], e tomando o termo ocupação como proposição avessa à instalação, que extraímos a principal forma da exposição.

Os atos visíveis aqui, ou a dinâmica de construção desse lugar, se alternam entre a saturação e o refreamento, mas ambos – e embora de naturezas distintas – são guiados pelo esforço. Erguer colinas [braços e pernas] é uma ação silenciosa de desenhar, com tempo determinado pela edificação de colinas. Propomos o carregamento de 80m³ de areia do pátio da Funarte MG ao interior do espaço expositivo.

Colinas são, por definição, estruturas mensuráveis: pequenas elevações de terreno com declive suave e com menos de 50 metros de altitude. Entretanto, a menção ao termo não se refere à definição geográfica. Em terreno onde cabe a representação, colina é também um termo metafórico. É um modo de mensurar a força e potência de construção do mundo que habitamos.

Em Exílio [mãos e pés], nome da ação seguinte, à medida que o espaço é redesenhado pela lida com a areia, imagens das colinas se transformam em referências para desenhos com lápis grafite sobre as paredes brancas do Galpão 5.

A um observador externo, a imagem que lhe acomete talvez possa parecer a de sujeitos inertes e imóveis diante da paisagem. Ledo engano. A aparência de lentidão esconde o trabalho invisível do pensamento. Assim como se procede no interior de um ateliê.

Por meio de ambas ações elaboramos no espaço um ambiente construído como marca de um acontecido; um desenho instável, em andamento, e que se atualiza a todo tempo, na resiliência e insistência para habitar.

Equiparar o artista ao trabalhador braçal é reposicionar seus papéis dentro da estrutura institucional da arte, a qual consolidou-se, ontologicamente, pelo apagamento do vestígio de qualquer trabalho manual enquanto condição necessária para a emancipação da pintura, da escultura e da arquitetura ao regime das artes livres. Se ao labor que todo artista opera coube ser negado para que surgisse o artista liberal, reestabelecer a relação com o trabalho nos parece urgente. Porque é mesmo que as marcas deixadas pelas mãos que operam são ainda hoje vistas com olhares suspeitos? Qual seria o demérito em fazer?

Pensar o artista como trabalhador, ou vice-versa, é dirigir a atenção para um saber do corpo que logra elaborar pensamentos apenas por estar em confronto com a matéria. Ou seja, sublinha a arte também enquanto atividade prática, e o artista necessariamente enquanto profissional.

Cabe pensarmos então que ocupamos uma posição epistemológica particular na qual não deveria haver distinção hierárquica entre o saber manual e o saber mental; na qual se permite borrar a fratura entre esses dois polos, à revelia do que temos como estrutura social e trabalhista.

Sendo artistas, e de forma ainda mais circunscrita, pesquisadores do desenho, trabalhamos com as mãos, em silêncio e lentidão, seja para folhear um livro, seja para rasurar uma parede; agimos a serviço do mundo com o fazer tanto quanto com o pensar. Do grão de areia ao pó do grafite. Sobretudo porque, em tempos áridos e incertos, reservar-se [exilar-se] é também um modo necessário para a atuação; para que possamos erguer colinas.

Associar artistas e trabalhadores é ao menos estabelecer uma necessidade de aprendizado mútuo. E é, por fim, convocar o papel social e político de seus ofícios: agentes em franco enfrentamento, insistência e resistência, com potência para construção e, portanto, para transformação. Evoca-se, então, a eficácia de ambos na formação do ambiente construído.

 

Luis Arnaldo e Marcelino Peixoto